quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Tão valiosa quanto o petróleo





30/10/2008

A falta de água no mundo está criando um mercado bilionário que atrai grandes empresas, como GE, Siemens e Dow

Por Tatiana Gianini

Em diversas regiões do planeta, a escassez de água está se tornando uma das maiores preocupações - não só para ambientalistas como também para políticos, empresários e executivos. Em maio deste ano, a pior seca que atingiu a Espanha em décadas obrigou Barcelona a encomendar navios carregados com milhões de litros de água da vizinha França. Na Austrália, a situação é tão alarmante que quase todas as cidades têm medidas de restrição de consumo. Nos Estados Unidos, algumas prefeituras da Califórnia impuseram neste ano, pela primeira vez, um racionamento de água à população a fim de garantir que o fornecimento não fosse interrompido. Cerca de 70% dos rios e lagos da China estão poluídos e mais da metade das cidades tem problemas de abastecimento. Esses casos recentes são exemplos de um problema de proporções gigantescas. Segundo o último relatório das Nações Unidas sobre o tema, a escassez de água atinge 20% da população mundial. Até 2025, a parcela deve chegar a 33% - pela conjunção de fatores como desperdício, falta de planejamento, descaso ambiental, mudanças climáticas e aumento da demanda. Graças a esse cenário, o fornecimento de água limpa tem se tornado um desafio - e um negócio bilionário para grandes empresas. Em janeiro deste ano, durante o Fórum Econômico Mundial, o presidente da gigante americana química Dow, Andrew Liveris, afirmou que "a água é o petróleo deste século". Como o petróleo, a água é um combustível fundamental da economia global e vem se tornando uma mercadoria valiosa. Trata-se de um mercado estimado atualmente em 350 bilhões de dólares - valor que deve crescer em média 4,7% ao ano e atingir 530 bilhões de dólares em 2016. Atentas a isso, grandes corporações, como a americana General Electric, a alemã Siemens e as francesas Veolia e Suez, já investem bilhões de dólares em novos negócios que envolvem o tratamento de água para indústrias e municípios em todo o mundo. Um dos negócios mais prósperos é o de dessalinização - uma maneira de aproveitar a maior fonte do recurso existente na Terra, os oceanos, que concentram 97,5% da água potável do mundo. Embora conhecida há muito tempo, até recentemente a tecnologia para a dessalinização era considerada cara e pouco eficiente. A primeira usina do gênero surgiu em 1928, na ilha de Curaçao, no Caribe. Na época, para tornar a água potável, usava-se o processo de destilação para evaporar a água do mar. Nas últimas décadas, uma enorme evolução tecnológica permitiu a expansão do negócio. "O valor para instalação das usinas caiu substancialmente e, por causa da modernização dos equipamentos, hoje elas precisam de menos energia para operar", afirma Lisa Henthorne, presidente da Associação Internacional de Dessalinização, que reúne pesquisadores de 58 países. No fim de 2007, existiam 13 080 usinas de dessalinização em todo o mundo, 47% mais do que há dez anos. O custo médio do metro cúbico de água produzida hoje fica entre 1 e 1,5 dólar - de 15% a 20% menor que há uma década. Trata-se de um novo nicho para corporações tradicionais, como a GE, que fundou o braço GE Water em 2005. A tecnologia de dessalinização da companhia é usada em mais de 1 500 usinas pelo mundo (a empresa não divulga o faturamento da divisão). Um dos principais projetos foi inaugurado em fevereiro deste ano, na Argélia. A usina Hamma Seawater Desalination Plant é capaz de fornecer água potável a quase um terço dos 3,5 milhões de pessoas da capital Argel. O investimento de 250 milhões de dólares foi realizado num formato típico de uma parceria público-privada: a GE Water entrou com 70% do valor e ganhou um contrato para manter e operar a usina por 25 anos, e a estatal Algerian Energy Company bancou o resto. "Esse projeto é um grande exemplo de como PPPs podem ajudar a solucionar as necessidades urgentes de água", diz Jeff Garwood, presidente da GE Water, durante a inauguração da unidade. Agora, a GE Water investe num projeto em San Diego, na Califórnia. Em parceria com três outras empresas do ramo, a divisão trabalha desde o ano passado na criação de uma usina de dessalinização de água do mar de Carlsbad, que abastece a cidade. Será o maior projeto de dessalinização de água do mar da América do Norte e está previsto para funcionar em 2010. Existem novos negócios milionários também no reaproveitamento de água usada. O processo de "reciclagem", assim como o de dessalinização, também era mais caro e de uso restrito até pouco tempo atrás. Na última década, porém, houve um rápido desenvolvimento de tecnologias de ponta que permitem a aplicação em larga escala. Um dos melhores exemplos está em Orange County, a cerca de 100 quilômetros ao sul de Los Angeles. Em janeiro, o governo local abriu a maior usina de reciclagem do mundo, com investimentos de 480 milhões de dólares. A unidade, que usa o sistema de filtragem da Siemens Water Technologies, consegue reaproveitar diretamente quase toda a água utilizada por indústrias, plantações de laranja e habitantes da região - sem ter de recorrer a reservas de água tradicionais. Outros projetos mundo afora deverão fazer com que, nos próximos anos, a capacidade global instalada para tratar água para reúso quase triplique, para 55 milhões de metros cúbicos em 2015 - o equivalente a 0,5% do uso global de água hoje. Na China, essa capacidade vai aumentar dez vezes no período. "A reciclagem tem um potencial enorme, porque permite que você deixe a água doce para o consumo humano e faça um uso mais eficiente do recurso na indústria", afirma Alfredo Lorenzo, gerente-geral de negócios da Siemens Water Technologies para a América do Sul. Para crescer, grandes empresas passaram a adquirir concorrentes - sobretudo com a intenção de ampliar o próprio alcance geográfico. Em agosto de 2004, a Siemens deu um grande passo no mercado de água ao adquirir, por 993 milhões de dólares, a US Filter, empresa líder no setor de água e esgoto, que agrupa 49 empresas e três associações ao redor do mundo e fatura mais de 1 bilhão de dólares por ano. Em 2005, foi a vez de a americana 3M entrar no ramo, investindo 1,3 bilhão de dólares na compra da americana Cuno, que fabrica equipamentos para filtração de gases e líquidos. No ano passado, a Suez Environment, braço da Suez, comprou por 190 milhões de dólares 33% da espanhola Aguas de Valencia, uma das quatro maiores empresas do setor de água da Espanha. "Queremos impulsionar o crescimento da Aguas de Valencia com o nosso conhecimento", afirma Jean-Louis Chaussade, presidente da Suez Environment. No fim de julho, a Suez Environment abriu seu capital nas bolsas de Paris e de Bruxelas a fim de obter recursos para investir em seus negócios de água - iniciativa que, com a atual crise mundial, poderá ser abalada. Para avançar nesses novos mercados, é preciso investir - e muito - em novas tecnologias. No último mês de julho, a Dow Water Solutions, unidade de negócios de água da Dow, anunciou 15 milhões de dólares em investimentos para construir um Centro de Desenvolvimento de Tecnologia de Água na unidade da empresa na cidade de Tarragona, na Espanha. O centro terá 25 pesquisadores e uma área de demonstração de produtos de última geração, e deve ser inaugurado no fim de 2009. "É um passo importante em nossa estratégia de oferecer tecnologias inovadoras para lidar com o maior desafio da comunidade global no século 21", afirma Ian Barbour, gerente-geral da Dow Water Solutions. A alemã Siemens divulgou que daqui a dois anos deverá lançar um processo inédito de dessalinização, com o consumo de metade da energia do processo mais usado atualmente. Sigiloso, o projeto está sendo desenvolvido na unidade da empresa em Cingapura, em parceria com o governo local. "A água é o negócio do futuro", afirma Alfredo Lorenzo, da Siemens Water Technologies. "E ainda há muito o que avançar nos próximos anos."
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Um comentário:

  1. Hoje o problema da falta de água é um assunto que está chamando a atenção do governo me muitos países, e as grandes empresas do ramo de dissalinização e reaproveitamento de água estam utilizando essa preocupação para realizar acordos milhonarios afim de esplodir no ramo, que se mostra muito lucrativo daqui pra frente, esses acordos unira o util ao agradavel, pois além de gerar lucro ira preparar o mundo para um futuro que aparenta ser inevitavel.A escases de água é um problema que deve ser encarado com uma visão sócio-ambiental e empresarial também, o imvestimento com certeza é promissor.

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